quinta-feira, janeiro 05, 2006

Problemas Familiares

Sete da tarde. À hora marcada, Gurmindes e Aristeza tocavam à campainha de Joaquina. Cansadas, as velhotas, imaginavam com prazer a bela sala de estar e a magnífica lareira que as esperava para lá da porta. Porta essa que foi aberta por duas bolas de pelo amarelo; um olhar mais atento na direcção descendente revelava na totalidade aquilo que era na verdade Janito e Quinito, os loiros filhos de Joaquina, com oito e sete anos respectivamente. Os pequenos dispuseram-se a acompanhar as senhoras até a sala, convite esse prontamente aceite.

Chegados lá, Quinito rapidamente colocou uma cadeira por detrás de Gurmindes, enquanto Janito seguiu o exemplo do irmão como se de um acto programado se tratasse. "Ai que crianças tão bem educadas!", elogiou uma, "Deixem estar, meninos, preferimos esperar pela vossa mãe de pé", acrescentou a outra. Como se nada tivesse sido dito, as crianças foram imediatamente buscar mais duas cadeiras, que dispuseram de maneira a que um quadrado fosse formado, tendo ido buscar mais duas ainda, e passado um instante ainda mais duas. As velhotas, intrigadas, bem lhes disseram que não era preciso tanta cadeira, e que eram apenas cinco, e que não se incomodassem. Cairam os apelos em orelhas moucas, pois os rapazes trouxeram ainda mais cadeiras.

Foi tarde demais quando se aperceberam de que estavam na verdade presas num circulo de cadeiras, e ainda pior quando notaram a terrivel transformação que se operara nos jovens entretanto. Ambos ostentavam pequenos chifres na cabeça, os olhos haviam-se tornado no que parecia carvões em brasa e, o mais estranho de tudo, os seus corpos pareciam mudar constantemente de cor e forma, como se não fossem definidos da maneira que Nosso Senhor costuma definir as cores e formas das pessoas. Foi entao que se ouviu o horrivel grito daquele que minutos antes havia sido Quinito: "Vamos matar as velhas!!" As ditas bem gritaram quando os rapazes, motoserras na mão, saltaram para cima delas e as esquartejaram sem dó nem piedade. Consumado o geronticídio, as pequenas criaturas beberam todo o sangue das vitimas (excluindo aquele que entretanto se entranhara nas carpetes, claro. Era tanto que nem um detergente oxi-action o limparia numa lavagem. Só com duas, e seria preciso sorte.) e desmembraram os seus corpos.

Falta entretanto um pormenor. É preciso ver que apesar de Joaquina estar habituada às travessuras dos seus filhos, o som de gritos desesperados não lhe passaria completamente despercebido, apesar de na altura se encontrar a ultimar o seu bacalhau com natas especial, o favorito das tias Gurmindes e Aristeza. Estranhou, é claro, todo o barulho, e quando entrou na sala pode-se dizer que ficou sem pinga de sangue ao contemplar o espectáculo macabro que se estendia diante dos seus olhos. "Meu Deus!!," gritou ela, "Os meus filhos transformaram-se em gambozinos!!!". Como é óbvio, foi a ultima coisa que ela disse antes de os seus anteriormente queridos filhos lhe saltarem para cima e a deixarem, agora literalmente, sem qualquer pinga de sangue dentro do corpo. Quando decidiram que já nada havia ali a fazer, foram brincar com os seus action man. Muito sinceramente, nunca vi família tao disfuncional.