segunda-feira, novembro 14, 2005

Vicissitudes de uma viagem de comboio que parecia ao princípio perfeitamente normal

Estava quente na carruagem do comboio. Era de noite, apenas os electrões que aqueciam resistências de metal, provocando o lançamento de fotões das lampadas transmitia alguma luz. À minha frente lia-se o jornal, ao meu lado um livro, e eu fumava e bebia café. Parecia uma viagem até nenhures, e a escuridão extrema que transbordava das janelas só corroborava esta opinião. Estava aborrecido, o revisor tinha interrompido um poema que estava a escrever e que depois não consegui acabar.

Eu pensava para os meus botões que aquele negro brilhante à janela não era normal, e perguntava-me se não estaríamos a atravessar um túnel, quando me apercebi que aquela negritude viva insistia em assomar à janela desde o inicio da viagem, como se fosse atraída pela luz. Então uma lampada na ponta da carruagem apagou-se, seguida de outra no meio do corredor.

Então todas as luzes começaram a acender e a apagar num padrão preciso. Os passageiros entreolharam-se, incomodados. Assim não se podia ler. Mas eu estava assombrado pelo espectáculo. Quando andei na faculdade, aprendi um código de comunicação idêntico, só que era transmitido por meio de papeis e cogumelos, e não luzes de rádio. À parte isso, era a mesmíssima coisa. Peguei no meu caderno (moleskin, claro, a um intelectual não basta sê-lo, há que parecê-lo) e comecei a fazer os calculos para decifrar o código. Caiu-me o queixo quando vi o resultado. Dizia nitidamente e com todas as letras “Um maço de Camel, se faz favor!”.

Desconhecia a origem, mas achei aquilo uma idiotice. Toda a gente devia saber que não se vende tabaco no comboio. Peguei nos meus papéis e cogumelos e retorqui “Aqui não se vende tabaco…” exactamente, com as reticências e tudo. O padrão luminoso mudou quase imperceptivelmente. Dizia “Ah bom, desculpe lá então.” As luzes voltaram ao normal, acendi outro cigarro e o resto da viagem foi tranquila.

2 comentários:

Alexandre disse...

Uma viagem e peras. "(...) a um intelectual não basta sê-lo, há que parecê-lo."

P.S.: Por favor muda o background do blog, que parece uma daquelas toalhas de mesa em plástico, que se usa na mesa da cozinha lol.

Elle F. disse...

Exmo. Sr. Seco,
Muito nice, muito interessante e très contemporâneo. ;-)