Estava quente na carruagem do comboio. Era de noite, apenas os electrões que aqueciam resistências de metal, provocando o lançamento de fotões das lampadas transmitia alguma luz. À minha frente lia-se o jornal, ao meu lado um livro, e eu fumava e bebia café. Parecia uma viagem até nenhures, e a escuridão extrema que transbordava das janelas só corroborava esta opinião. Estava aborrecido, o revisor tinha interrompido um poema que estava a escrever e que depois não consegui acabar.
Eu pensava para os meus botões que aquele negro brilhante à janela não era normal, e perguntava-me se não estaríamos a atravessar um túnel, quando me apercebi que aquela negritude viva insistia em assomar à janela desde o inicio da viagem, como se fosse atraída pela luz. Então uma lampada na ponta da carruagem apagou-se, seguida de outra no meio do corredor.
Então todas as luzes começaram a acender e a apagar num padrão preciso. Os passageiros entreolharam-se, incomodados. Assim não se podia ler. Mas eu estava assombrado pelo espectáculo. Quando andei na faculdade, aprendi um código de comunicação idêntico, só que era transmitido por meio de papeis e cogumelos, e não luzes de rádio. À parte isso, era a mesmíssima coisa. Peguei no meu caderno (moleskin, claro, a um intelectual não basta sê-lo, há que parecê-lo) e comecei a fazer os calculos para decifrar o código. Caiu-me o queixo quando vi o resultado. Dizia nitidamente e com todas as letras “Um maço de Camel, se faz favor!”.
Desconhecia a origem, mas achei aquilo uma idiotice. Toda a gente devia saber que não se vende tabaco no comboio. Peguei nos meus papéis e cogumelos e retorqui “Aqui não se vende tabaco…” exactamente, com as reticências e tudo. O padrão luminoso mudou quase imperceptivelmente. Dizia “Ah bom, desculpe lá então.” As luzes voltaram ao normal, acendi outro cigarro e o resto da viagem foi tranquila.
2 comentários:
Uma viagem e peras. "(...) a um intelectual não basta sê-lo, há que parecê-lo."
P.S.: Por favor muda o background do blog, que parece uma daquelas toalhas de mesa em plástico, que se usa na mesa da cozinha lol.
Exmo. Sr. Seco,
Muito nice, muito interessante e très contemporâneo. ;-)
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